A escola é bilíngue, mas e a cultura?

A escola é bilíngue, mas e a cultura?

Por trás do segundo idioma, sempre aparecem símbolos estrangeiros

Já que o mundo está globalizado, vamos internacionalizar nossos filhos. A preocupação dos pais em preparar suas crianças para o ambiente multicultural já se reflete no sistema educativo brasileiro, em que houve aumento de 28% na quantidade de escolas bilíngues. Entre 2005 e 2007, o número de estabelecimentos saltou de 89 para 114. Na demanda dos pais por crianças poliglotas, vale a pena refletir: a bagagem cultural que acompanha o segundo idioma tem a ver com os valores cultivados dentro do próprio lar?

A educação poliglota se limita às famílias que tenham pelo menos R$ 1.500 em caixa todo mês para bancar o investimento. Ainda é algo restrito. Talvez a classe média alta já esteja começando a fazer parte disso. Tem muitos pais pensando no futuro e na chance dos filhos saírem do Brasil para estudar, aponta Marizilda Martins, mestre em educação bilíngue pela Faculdade de Educação da USP.

A tendência dessa demanda é aumentar. Mesmo que o Brasil não seja um país bilíngue, como o Canadá, o inglês é uma ferramenta muito útil para ampliar as possibilidades profissionais e comunicativas, completa.

Uma escola bilíngue não é a mesma coisa que uma escola internacional ou um curso de idiomas. Ela se diferencia por seguir as exigências do Ministério da Educação local, ou seja, tem currículo e calendário nacionais. Já nas escolas internacionais, esses itens seguem os padrões de seus países originários.

Além disso, na escola bilíngue, o segundo idioma não é tratado somente como objeto de estudo. Ele é também um veículo de imersão: em disciplinas como matemática, história e educação física, a conversa também flui fora do português. As aulas são divididas entre a língua pátria e a estrangeira, geralmente na proporção de 55% e 45%, respectivamente.

Primeiro fomos procurar uma escola inglesa, mas ela não oferecia bem o que nós queríamos. O inglês era muito forte, mas o ensino de português ficava um pouco de lado, recorda Aracy Sakashita, médica e mãe de dois filhos. Com o marido, ela preferiu garantir uma educação que incluísse o ensino do inglês às crianças. Mas com toda aquela bagagem cultural estrangeira, bateu uma preocupação. É muito importante aprender a nossa língua e os valores culturais do nosso país, afirma.

Uma criança na escola bilíngue não vai, necessariamente, ter a identidade cultural abalada, garante Elisabeth Flory, psicóloga e pesquisadora do IP (Instituto de Psicologia da USP).

Segundo explica a doutoranda no assunto, não é porque a alfabetização correu em inglês que a criança irá preferir a cultura norte-americana. Essa escolha está sujeita, entre outras coisas, aos valores que os jovenzinhos percebem seus pais, amigos e educadores atribuírem às coisas do mundo.

A construção da identidade cultural está muito ligada à valoração que a sociedade dá para cada uma das línguas e objetos culturais relacionados, prossegue Elisabeth. Por isso, entra aí uma consideração importante: cada família deve pensar e refletir bastante sobre quais valores escolher na escola dos filhos, seja bilíngue ou não.

Ao receber a equipe da Espaço Aberto em sua escola bilíngue no bairro do Morumbi, o coordenador pedagógico Lyle Gordon French fez questão de lembrar: Por favor, não batam fotos da sala de aula com a bandeira dos Estados Unidos na frente. A reportagem da Veja fez isso, mas nós temos outros símbolos, outros exemplos.

O apelo do canadense, que há mais de 20 anos trabalha no ramo em São Paulo, deu continuidade à sua explicação sobre o que está à sombra do segundo idioma. Não dá para ensinar nenhuma língua sem a cultura relacionada. Aqui, a gente mostra Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Austrália, um pouco da África do Sul e da Índia, diz, enfatizando ainda que o colégio comemora Halloween e Ação de Graças, mas também Dia do Índio e Proclamação da República. Tem a apresentação dos fatos, as crianças pesquisam e, no fim, elas determinam o que preferem.

 

Fonte:

BONATELLI, C. A escola é bilingue, mas e a cultura? Revista Espaço Aberto, v. 83, 2007. Disponível em: http://www.usp.br/espacoaberto/arquivo/2007/espaco83set/0comportamento.htm

 

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