Um novo paradigma para a educação bilingue

Um novo paradigma para a educação bilingue

Um novo paradigma para a educação bilíngue

Não basta aprender uma língua estrangeira; é preciso aprender em língua estrangeira. Essa abordagem pode melhorar a aprendizagem de línguas sem prejuízo aos demais conteúdos.

A população escolar na Europa e em outros lugares é cada vez mais plurilíngue, o que ocorre desde a mais tenra idade. Sabemos hoje como é importante acolher todas as crianças com suas línguas no espaço escolar. O seu sucesso escolar depende disso. Na realidade, porém, tal acolhimento nem sempre é possível. As crianças percebem desde muito cedo as diferenças de status ou de prestígio em relação às línguas que as rodeiam no meio familiar ou institucional, ou quando ocorre um encontro “aleatório” (encontros com falantes de outras línguas em uma loja, na parada do ônibus, etc.).

O jovem ser humano tem necessidade de ser rodea­do linguisticamente pelos adultos para poder ter acesso à linguagem; caso contrário, torna-se “criança selvagem” e sofre atraso na linguagem, como era o caso, antigamente, nos orfanatos superpovoados (Pollak, 2000). Se as dimensões relacionadas à motivação, aos sentimentos e às representações sociais desempenham um papel na apropriação da linguagem (L1), isso também ocorre na aprendizagem de uma segunda língua ou de línguas estrangeiras.

Somos atraídos pela sonoridade desta ou daquela língua e ficamos reticentes em relação a outra, o que se explica não só por nossa própria L1, mas também por nossa educação e pelo ambiente linguístico doméstico. Em consequência disso, somos mais ou menos motivados pela aprendizagem desta ou daquela língua. Quanto mais somos motivados, mais rápido vamos, tendo em vista que, se as etapas de aquisição de uma língua são globalmente as mesmas para os aprendizes, a rapidez de apropriação difere bastante de acordo com os indivíduos, sua motivação, sua capacidade de discernimento e de memorização.

Uma língua é caracterizada como L1 ou primeira língua segundo três critérios: é cronologicamente a primeira aprendida, é aquela que se domina melhor e é aquela utilizada com mais frequência. A mesma interpretação serve para L2. Às vezes, é difícil para os bilíngues dizer qual é a sua L1 ou a sua L2, assim como é difícil determinar o nível absoluto de competência de um falante e o nível relativo entre as duas línguas em contato. Portanto, a noção de bilinguismo equilibrado em relação a um bilinguismo dominante (ou limitado) faz sentido.

A origem da recusa em utilizar uma língua pode ser explicada pelos traumas pessoais, como, por exemplo, a zombaria em relação a um sotaque. Cathomas e Carigiet (2008, p. 34) chegam a falar em “traumas linguísticos”. Casos de “recusa de língua” por uma criança são relatados após um divórcio ou separação dos pais (Kielhöffer e Jonekeit, 1985).

Em relação ao efeito da L2 sobre a L1, e após observações realizadas pelos pesquisadores a partir da década de 1950, distingue-se o bilinguismo aditivo, típico das elites e reconhecido como um bilinguismo positivo, do bilinguismo subtrativo, com uma conotação bastante pejorativa, que faz parte do bilinguismo dos migrantes. No segundo caso, a L2 tem repercussões obre a L1, pois o sistema da L1 era instável no momento da chegada da L2. No caso do (duplo) semilinguismo, felizmente pouco comum, nenhuma das duas línguas aprendidas é dominada como normalmente esperado para a idade da pessoa. Além do bilinguismo dos migrantes, de conotação bastante negativa, certos autores evocam o bilinguismo ignorado (Hélot, 2007), leia-se denegrido.

Sem dúvida, os programas escolares foram organizados localmente para as minorias em relação a uma maioria linguística homogênea, mas não existem para todos os indivíduos e suas línguas de origem. Tais línguas minoritárias são por vezes protegidas pelos dispositivos da Carta Europeia das Línguas Regionais ou Minoritárias, daí o termo bilinguismo de manutenção. No caso das crianças influenciadas pelo bilinguismo de seus pais migrantes, cujo patrimônio linguístico a escola não valoriza de maneira nenhuma, estas também não são reconhecidas pela instituição escolar.

No caso de bilinguismo familiar, pode haver outros problemas, como de (dupla) identidade, por exemplo. Elle Bialystok (2001, p. 240) questiona: “Alteramos nossa identidade e modificamos nossa personalidade quando mudamos nossa língua? E (…) as pessoas que falam duas línguas comandam duas personalidades?”.

Existem várias narrativas nas quais bilíngues de nascença tentam “passar despercebidos” nas duas culturas, notando que é impossível ter todas as experiências nos dois contextos. Aleemi (1991) apresentou muito bem esses problemas de identidade. García (2010) mostra-nos que ainda são atuais.

A transmissão de uma língua à geração futura é sempre carregada de emoção, mas também de culpa, quando os pais constatam que uma educação similar não “produz” o mesmo tipo de bilinguismo em todos os irmãos. As mulheres transplantadas (cf. Varro, 1984) e as famílias biculturais são consideradas em primeiro lugar.

O fato de a pessoa bilíngue não usar exclusivamente uma língua de cada vez, e sim “misturar” as duas, costuma ser criticado, já que a norma monolíngue é dominante nos discursos e nas representações. Ora, começa-se a ver que poderia se tratar de algo a mais, como explicam Lüdi e Py (2003, p. 142) com o conceito de marcas de transcodificação, que “revelam o traço da influência de uma língua ou variedade”: “(…) geralmente o falar bilíngue não representa um quebra-galho, escolhido por um domínio insuficiente de uma ou de outra língua (ou das duas ao mesmo tempo). Trata-se, ao contrário, de uma verdadeira escolha de língua, na medida em que todos os interlocutores interpretam a situação como igualmente apropriada ao uso dos dois idiomas ou, mais precisamente, ao seu uso mais ou menos simultâneo”.

Mais recentemente, García e Kleifgen (2010, p. 45) passaram a utilizar o conceito de “translinguismo em salas de aula multilíngues”, o qual lembra que os estudantes podem ler em uma língua, fazer anotações em outra e, eventualmente, ainda discutir em uma terceira.

O ensino de línguas: educação bilíngue escolar? 
O ensino das linguas vivas na escola tenta tirar partido de um processo natural de apropriação de uma língua com o objetivo de otimizar esse processo pelo ensino escolar. A organização de um bilinguismo institucional escolar difere em termos dos objetivos da escolaridade, das avaliações, dos programas e da organização, entre outros.

Os programas de enriquecimento tendem a desenvolver uma segunda língua (ou uma língua estrangeira, conforme o contexto) à qual as crianças não teriam acesso se não fossem escolarizadas em tal proposta. Para certos países ou regiões, o caminho escolhido deve ser o de um bilinguismo com grande exposição à língua-alvo, de preferência com professores nativos. Para outros, o trabalho integrado ou integrativo de conteúdos disciplinares em uma língua estrangeira, como disciplina em segunda língua (DEL 2) ou disciplina em terceira língua (DEL3), será a solução a ser privilegiada, e as aulas serão ministradas pelo professor titular da classe.

A oferta de uma disciplina em outra língua além daquela da escolarização constitui, há cerca de 15 anos, um novo paradigma, proveniente da didática das línguas e mais ou menos adotado pelas outras disciplinas. Essa abordagem pode melhorar a aprendizagem de línguas sem prejuízo aos conteúdos disciplinares das outras matérias. Contudo, a realização de um programa bilíngue sempre depende da escolha de seus objetivos e do tipo de sistema educativo. O objetivo é proporcionar um bilinguismo o mais equilibrado possível, ou apenas a capacidade de adquirir uma competência de trabalho focada na língua estrangeira? Por conseguinte, é preciso fazer uma seleção no início da escolarização, aceitar todas as crianças, realmente generalizar um sistema bilíngue em todo o país? Em que idade se deve começar e com que intensidade (diária, semanal)?

Do ponto de vista da idade da exposição, hoje se diferenciam as instituições escolares bilíngues com imersão precoce (bebê ou criança pequena), média (a L2 vem depois da L1 já adquirida, ao menos oralmente) ou imersão tardia (a partir do ensino médio). No entanto, a imersão parcial ou total, isto é, o tempo de exposição semanal à língua-alvo, não é por si só uma garantia de sucesso.

O novo paradigma é “aprender uma língua estrangeira, aprender em língua estrangeira”. Por isso, é preciso utilizar as línguas para aprender e aprender utilizando as línguas. De acordo com a situação geográfica (ao longo de uma fronteira linguística, em uma grande metrópole, em uma região bilíngue, etc.), foram encontrados diferentes modelos de organização escolar: na Suíça Romanda, são propostas duas línguas a partir do ensino fundamental (Elmiger, 2006) e, às vezes, sob a forma de imersão recíproca com falantes nativos de duas comunidades linguísticas, como em Bienne/Biel (Suíça), ou em Berlim, na Alemanha, com o modelo da Staatliche Europaschule.1 Tais sistemas geralmente cobrem ao menos um período escolar de vários anos (fundamental, médio), e inclusive toda a escolaridade, visando à continuidade do sistema.

No âmbito da metodologia de ensino, a entrada no letramento em uma língua e depois na segunda é um desafio. A criança deve ter aprendido a segmentar as palavras de início. Bialystok (2001, p. 169) propõe começar a alfabetização pelo sistema mais transparente, aquele no qual a grafia é mais próxima do som: “Para crianças bilíngues (…), pode haver uma vantagem quando elas aprendem o sistema menos transparente, devido à sua experiência com o sistema mais simples (mais transparente)”.

Conclusão
Aspectos como as ligações entre níveis socioeconômicos e culturais, a motivação, a aprendizagem e o sucesso escolar são incontestáveis. Os modelos escolares bilíngues de enriquecimento repousam sobre os benefícios do bilinguismo familiar, ou seja, das crianças nascidas em “casais mistos” nos quais se praticam (ao menos) duas línguas prestigiadas (Geiger-Jaillet 2005), mas sem realmente tirar proveito do potencial plurilíngue das outras famílias do local.

Não basta hoje propor três horas semanais de língua viva em um curso para dominar uma língua; é preciso dar-se os meios de aprender em língua estrangeira, o que nós chamamos ensino de DEL2 ou DEL3. Eles podem ser criados a partir de elementos preexistentes ou ser a consequência de fatos históricos com as línguas da colonização, a francofonia, etc. Mehisto (2012) chega a listar um grande número de práticas “que funcionam” no ensino de DEL em relação àquelas que aparentam ser pouco eficientes.

Ainda que o fato de frequentar esse tipo de sistema não afete os alunos no que tange à sua identidade, a escolarização em uma instituição desse tipo não é insignificante. García e Kleifgen (2010, p. 124-135) fazem algumas recomendações para pesquisadores, políticos e gestores a fim de que isso seja feito da melhor forma possível.

No âmbito de uma Europa majoritariamente monolíngue, falar de bilinguismo faz sentido; todavia, em uma escala planetária, seria preciso, a partir deste momento, falar mais de educação bi e plurilingue do que de educação bilingue. E, para o bilíngue, cada uma das línguas pode ser a chave para uma cultura diferente. “Se esse biculturalismo provoca sentimentos de desequilíbrio, isso não se deve às línguas implicadas, mas aos conflitos de prestígio entre realidades e culturas diferentes” (Kielhöfer e Jonekeit 1985, p. 88).

  • Anemone Geiger-Jaillet é professora na Escola Superior do Magistério e da Educação da Universidade de Estrasburgo (França).

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